quarta-feira, 27 de abril de 2016

Lifting the Burden

Ando a trabalhar num tema que afecta um grande número de indivíduos... é muitas vezes mal diagnosticada ou interpretada como "queixinhas do doente!"... no entanto, bastante incapacitante para o dia-a-dia da pessoa, condicionando muitas vezes faltas ao trabalho.
As entidades internacionais responsáveis, lançaram um documento que intitularam de "lifting the burden" ou seja, desvendar o véu que está sob o problema, explicando-o e enquadrando-o na realidade clínica do dia-a-dia. O objectivo é clarificar os profissionais de saúde, apontando os pontos de interesse e conflito, para que possamos cuidar melhor do doente.

"Lifting the burden" é um exercício que raramente é feito no nosso dia-a-dia. Normalmente, as coisas que mais nos movem por dentro são praticamente inconscientes: ou porque não fazem parte das rotinas (não são uma tarefa como lavar a louça, pentear o cabelo, etc) ou porque não são um assunto corrente (uma notícia do jornal, episódio da série que estamos a ver, etc). Isso faz com que seja uma não assunto, mas que normalmente vive no nosso inconsciente e pauta as nossas emoções, atitudes e gestos. Levantar o véu desses assuntos nem sempre é fácil porque não nos apercebemos que eles estão ali de baixo a determinar os nossos ritmos.


Ao fim de dois meses a acompanhar a consulta de neurologia apenas posso dizer que me sinto "abençoada" por todos os que me ajudaram a fazer este exercício de "lifting the burden". E garanto-vos que isto não foi apenas em relação à minha prática clínica, reconhecendo normas de abordagem ao doente com as patologias que fui vendo. Frases como "com quem fala?" ou "e o que é que faz no seu dia-a-dia?" tornaram-se fundamentais. A saúde neural (se assim se pode chamar) é pautada por esses não assuntos diários que nos moldam como pessoas, que nos fazem ginasticar o cérebro ou percepcionar dor, iniciar a marcha ou expressar um sentimento.
Uma Norma da Direção Geral de Saúde recentemente publicada dizia que os Cuidados de Saúde Primários têm que fazer vigilância do "doente com cérebro". Achei ridículo à partida, quase que diriam que nem todos os doentes têm cérebro e por isso é preciso vigiar os alguns que ainda vão tendo! 
No entanto, ao fim destes dois meses consigo ver de outro ângulo, percebendo que é necessário desvendar o cérebro, fazendo o indivíduo olhar para dentro, para os seus não assuntos, com perguntas tão simples como "o que é que faz no seu dia-a-dia?" ou "com quem fala?"... Medicina é uma arte e fazer o outro perceber que reside nele próprio a possibilidade de mudança, isso sim é prevenir a doença e promover a saúde.

Sem comentários: