quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Entrevista a Frei Fernando Ventura

Hoje deixo aqui um excerto da entrevista bem assertiva de Frei Fernando Ventura. A reflectir:

Que reforma é que se pode fazer?

Nenhuma, porque é isso que interessa ao poder. Ter uma sociedade de gente que pensa é muito perigoso. Ter uma sociedade de gente que pensa que pensa é fantástico. Temos aí as Novas Oportunidades para isso. Nós andamos sempre à procura do pai e à espera que este nos pegue ao colo. Se alguém fizer aquilo que me cabe a mim fazer, bato palmas e fico contente.

Não lhe parece que isso que acaba de dizer pode virar-se contra a própria Igreja? Afinal, a Igreja aparece como uma entidade que oferece colo a quem se sente desprotegido.
A Igreja, nesta altura, está a ser a única voz de esperança em Portugal. Há algum tipo de pastoral que dá razão ao Freud, que dizia que a religião é uma neurose colectiva , ou ao Marx, que dizia que a Igreja é o ópio do povo . Mas lamento profundamente. Se alguma coisa a Igreja deve ser, e não pode demitir-se de ser, é uma promotora da consciência de comunidade, independentemente das opções religiosas, políticas, sexuais. Há um colo, mas um colo responsável. Agora, existem, de facto, opções pastorais que levam as pessoas de carrinho [risos], e de que maneira! Pegam naquilo que a Igreja tem de pior, que é o transformar alguém em alguém que tem uma religião. A coisa pior que lhe pode acontecer a si, ou a mim, é termos uma religião. Eu não tenho uma religião; a religião é que me tem a mim.

Então, eu não deveria ter começado por chamar-lhe frei Fernando Ventura, mas simplesmente Fernando Ventura.
Foi o nome que me puseram de baptismo. Mas frei só quer dizer irmão, não quer dizer mais nada. Este desafio de construção de fraternidade, quero reclamá-lo para mim e para toda a gente. E se eu tenho um partido, deixo de ser livre. Sou formatado para o disparate, como a quantidade de deputados que temos na Assembleia da República, que não servem para nada. Da segunda fila para trás podiam ir todos embora.Não temos dinheiro para alimentar aquela gente toda.

(...)
Se fosse político, como arrumava este país a que chamou de barraca com um submarino à porta ?

Para já, não tinha lá o submarino. A solução está em juntar o povo das barracas. Eu nasci no bairro operário da fábrica onde o meu pai trabalhou 52 anos, onde a minha mãe trabalhou 19 anos. E onde eu trabalhei ainda dois anos, no escritório. Na minha infância bebi a solidariedade. Não havia nada escrito, mas era assumido que se uma mulher adoecia, a vizinha do lado cuidava dela, ia às compras e tomava conta da canalha. O que faz falta é tirar o submarino da porta da barraca, abrir a janela e a porta para a barraca do outro lado. E eu, dentro da minha barraca, tenho de fazer perceber ao meu vizinho que estamos juntos, que vou fazer tudo aquilo que puder para que possamos puxar as barracas para a frente.

Numa conferência em Paços de Brandão referiu que não devemos ter vergonha de dizer gosto de ti . Foi mais longe e disse mesmo que o maior pecado que nos atormenta é o da a negação do amor . Hoje em dia falar de amor é quase obsceno?
É obsceno, é pornográfico, porque as palavras estão mortas. Ao longo da história da humanidade, conseguimos criar formas de morte, umas até refinadas. O que nenhuma sociedade, antes da nossa, conseguiu fazer foi matar as palavras. Hoje estão mortas e é preciso ressuscitá-las.

(...)
Neste momento de crise deve romper-se o silêncio?

É preciso dar voz aos que não têm voz. O que se faz, infelizmente, é estar calado perante os poderosos. Esses silêncios são criminosos. Mas deixe-me voltar à questão das palavras mortas. Tenho escandalizado muitos católicos por dizer isto: enquanto cristão, se eu não percebo que sou desafiado por Deus, todos os dias, a fazer amor com toda a gente, e sem preservativo, não sei o o que estou cá a fazer. Na vida, usamos preservativos. E não falo dos das farmácias, que esses devem ser obrigatórios. Eu tenho medo é daqueles preservativos que usamos da cabeça aos pés, numa lógica de eu não te toco e tu não me tocas .

(... relativamente à Igreja) mas não é por aí que temos de começar.

Então por onde é?
Tem de se começar por explicar a toda a gente da Igreja, sem excepção, a diferença entre poder e serviço. Em vários contextos, senti-me envergonhado de ser padre, diante da miséria e da prepotência de gente que tinha a obrigação de estar ao serviço dos pobres. Critico alguns senhores de cabeção e hábito de serem uns vaidosos insuportáveis. Parece que têm Deus na barriga. E andam a arrotar Deus por todos os lados. São pessoas que dão razão a Marx, que dizia que a religião é o ópio do povo . São pessoas que se aproveitam da fragilidade do povo para o apoiar, para lhe dar conselhos. E dar conselho a alguém, a não ser que seja mentalmente incapaz, é uma falta de respeito. Diante de alguém com um problema, a minha obrigação primeira é ouvir, filtrar a mensagem, mas dar ao outro a liberdade de ser gente.


Na integra em: http://sol.sapo.pt/inicio/Sociedade/Interior.aspx?content_id=5746

3 comentários:

João disse...

Depois de ele dizer, parece tão óbvio...

A inteligência simples deste homem é desconcertante.

É preciso divulgar isto e passar a mensagem que ele pôs em palavras.

Obrigado pela partilha!

Inês disse...

Faziam falta mais um milhão de pessoas como esta no nosso cantinho à beira-mar plantado...
No mínimo!
Gosto da coerência com que fala...

Fernando Pina disse...

BENDITO seja este FREI e ABENÇOADA seja a sua PALAVRA !! a INES diz ser preciso 1 milhao de pessoas assim ! pois eu estou em querer que ja existem,nao 1,mas 10 milhoes de "MUDOS", assim...!!!estou atento e a espera da mudança!